Até o início de minha vida adulta eu ouvia
falar de “católicos não praticantes”: em geral, indivíduos nascidos de pais
católicos, batizados na igreja católica, que iam a uma missa aqui e outra ali,
quando tinha de dizer sua religião se apresentavam como católicos… Mas que não
faziam a menor ideia do que dizia a Bíblia, não sabiam nada de história da
Igreja, não se comportavam segundo a ética cristã. Enfim, eram os “católicos
nominais”. Hoje eu chego aos 40 anos de idade e sou obrigado a admitir que essa
lepra contaminou os evangélicos. Sim, estamos cercados por todos os lados por
evangélicos não praticantes, um fenômeno relativamente novo. “Os bíblias são
pessoas sérias”, dizia-me meu avô, católico não praticante, quando eu era
criança. Nos nossos dias eu temeria repetir as palavras do velho João Zágari.
Pois os evangélicos nominais estão se alastrando numa velocidade crítica. E as
redes sociais estão esfregando isso na nossa cara de modo inequívoco.
A grande diferença entre o católico não praticante e o evangélico
não praticante está na freqüência às reuniões religiosas semanais: enquanto o
católico não praticante vai vez por outra à missa, o evangélico não praticante
vai todo domingo à igreja. E as diferenças param por aí. Pois o evangélico
não praticante não lê a Bíblia. Simplesmente não lê! Passam-se sete dias na
semana, ele pode ter 3 ou 4 bíblias de estudo em casa mas não toca nelas. E,
como não lê, não sabe o que ela diz. Não a estuda. Se lê alguma literatura
cristã é de autores água com açúcar, como Max Lucado, Augusto Cury (ele é
crente, né?) e meia-dúzia de escritores brasileiros da moda. E isso entre a
leitura de “A Cabana” e “Crepúsculo”.
A fé do evangélico não praticante é por tabela: forma suas
crenças com base no que outros pregaram, cantaram, falaram. Por isso, fica
assustadíssimo quando dizemos que a frase “não cai uma folha da árvore se Deus
não deixar” não está nas Escrituras. Mas, curiosamente, acha que entende à beça
de Bíblia e entra em profundas discussões teológicas como um jogador de futebol
discutindo física quântica. Peita grandes teólogos e líderes religiosos com
mais de 30 anos de estrada como se fossem acéfalas peças de museu sem contato
com o mundo real. A verdade pertence ao evangélico não praticante.
Esse é um verbo muito presente nos lábios de um evangélico não
praticante: “Achar”. Você entra em uma argumentação com ele sobre um tema
bíblico e a resposta contém quase sempre esse verbo: “Ah, mas eu não acho que
seja assim não”, justifica-se, com sua teologia de corredor de igreja. E quando
você embasa seus argumentos em cinco ou seis passagens, em normas de
hermenêutica, em princípios da exegese, ele desconversa e sai com um “Ah, mas
eu já ouvi o pastor fulano dizer no blog dele que…” vira as costas e vai
embora. Sempre “achando”, claro. Não tem jeito: o evangélico não praticante é
um analfabeto bíblico: não se interessa por ler a Bíblia e monta sua forma de
agir e de ser em cima de um achismo cristão absoluto.
O evangélico não praticante também não sabe nada de história da
Igreja. Não entende a cronologia do Antigo Testamento, ignora fatos da Igreja
primitiva, fala enormes bobagens sobre a “maldita igreja institucional”,
questiona pontos elementares, que os patriarcas dos cinco primeiros séculos já
responderam. Aí você explica, diz o que foi debatido nos concílios, conta como
se deu a sistematização de certas praticas e doutrinas e…”Ah, mas eu não acho
que seja bem assim”.
O evangélico não praticante tem opiniões próprias sobre aquilo
que Deus deixa claro nas Escrituras. Como não as conhece, tem conhecimento
sobre algumas informações soltas a respeito do Altíssimo e a partir delas
formula toda sua doutrina de fé. O argumento predileto: Deus é amor! Então não
me venham dizer que Deus é contra o divórcio, o namoro em jugo desigual ou mesmo
falar uns palavrõezinhos, pois Ele ama todos e por isso não ia querer a
infelicidade de seus filhos nem fica cerceando nossa liberdade! É a graça! É o
amor! No achismo do evangélico não praticante Deus libera tudo pois… Ele é amor
e, afinal, vivemos na dispensação da graça! Quando você explica a ele que havia
graça no Antigo Testamento e Lei no Novo ele fica revoltado e logo solta um
“Ah, não acho isso não”.
Para o evangélico não praticante, ira de Deus, justiça de Deus,
ciúmes de Deus e a possibilidade do inferno são coisas muito estranhas, pois…
Deus é amor! Deus é graça! E como acha que Deus é uma espécie de homem grandão
com superpoderes, não consegue assimilar o conceito de um Deus incompreensível
e inalcalçável à mente humana, de uma natureza tão diferente da nossa, tão mais
elevada, sublime e misteriosa, que não dá – como Romanos 9 deixa tão claro –
para compreendê-lo tendo o homem e seus valores antropocêntricos como
parâmetro.
O evangélico não praticante possivelmente ama louvores da moda.
Vibra com cantores gospel que tocam na rádio. Pois, por ser biblicamente
analfabeto, não consegue enxergar a superficialidade e até os erros teológicos
contidos nas letras. Se você critica o que o gospel business produz, o
evangélico não praticante repete aquele argumento bobinho que ouviu do pastor
da televisão que não quer ser criticado porque inventa heresias da prosperidade
para ganhar dinheiro e comprar o seu jatinho: “Ah, eu acho que quem critica é
porque não sabe fazer melhor”, ou “Ah, eu acho que o crítico é um invejoso do
sucesso dos outros”. Ou ainda: “Ah, eu acho que o critico é um enrustido”.
O evangélico não praticante não tolera que você questione a
presença de artistas gospel em programas de TV seculares ou que você diga que
aquele pastor famosão que fica plantando tags no twitter e tem milhares de fãs
está dizendo heresias. Afinal…ele é famosão! Defende a Igreja! Aparece no
Jornal Nacional! Tem o sobrenome dos cantores gospel da moda! Como alguém assim
poderia estar errado??? “Ah, não acho não…”. O evangélico não praticante é tão
limitado em seu discernimento espiritual que não percebe que fazer eventos
gigantescos não avança a causa de Cristo. Que o Evangelho é pregado muito mais
eficientemente no boca a boca do que com um plim-plim no meio. “Afinal, temos
que pregar a tempo e fora de tempo!”, brada sem entender as verdadeiras razões
que levaram aqueles artistas gospel ao palco. Ele REALMENTE acredita que a
nação toda se converterá porque a cantora gospel da moda foi a um programa de
TV da Globo ou ao Raul Gil. “Ô glória, uhuuuuuuuuuuuu!!!! Hooooooooooo!!!”,
brada exultante com a cantora que faz o povo ímpio balançar as mãos do mesmo
modo que um cantor de pagode faria – e com dançarinas seminuas atrás.
O evangélico não praticante ora pouco. Ora sempre antes das
refeições porque, ora bolas, é o que um evangélico faz! Mas não tira momentos
para Deus. Não abre mão do seu programa de TV favorito para dedicar 15 minutos
ao Pai. Para isso servem os cultos, não é? Se jejua não sabe explicar muito bem
por que devemos jejuar, mas afinal o pastor disse que era para jejuar e os
irmãos da igreja jejuam, então ele acha que jejuando fará parte da galera. Mas
não sabe explicar a mecânica ou a teologia por trás do jejum. O evangélico não
praticante acha que estudar teologia é besteira, o importante é amar! “Ah, eu
sou de Cristooooo!”, estufa o peito.
O evangélico não praticante um dia morrerá e não irá para o Céu.
E só de eu falar isso ele já se irou e pensou “quem é você para julgar os
outros???”. Pois o evangélico não praticante acha que qualquer coisa que que
contraria sua fé popular é “julgamento”. Mas eu digo isso por uma simples e
óbvia razão: o evangélico não praticante… não pratica o Evangelho.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
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