Por Odemir Silva
A
doutrina cristã (a palavra "doutrina" significa "ensino" ou
"instrução") pode definir-se assim: as verdades fundamentais da
Bíblia dispostas em forma sistemática. Este estudo chama-se comumente:
"teologia", ou seja, "um tratado ou um discurso racional acerca
de Deus". (Os dois termos serão usados alternadamente nesta seção.) A
teologia ou a doutrina assim se descreve: a ciência que trata do nosso
conhecimento de Deus e das suas relações para com o homem. Trata de tudo quanto
se relaciona com Deus e com os propósitos divinos.
Por
que descrevemos a teologia ou a doutrina como sendo uma "ciência"? A
ciência é a disposição sistemática e lógica de fatos comprovados. A teologia é
chamada ciência porque consiste em fatos relacionados com Deus e com as coisas
de ordem divina, apresentadas de uma maneira lógica e ordenada.
Qual é
a conexão entre a teologia e a religião? Religião vem da palavra latina
"ligare" que significa "ligar"; religião representa as
atividades que "ligam" o homem a Deus numa determinada relação. A
teologia é o conhecimento acerca de Deus. Assim a religião é a prática,
enquanto a teologia é o conhecimento. A religião e a teologia devem coexistir
na verdadeira experiência cristã; porém, na prática, às vezes, se acham
distanciadas, de tal maneira que é possível ser teólogo sem ser verdadeiramente
religioso, e por outro lado a pessoa pode ser verdadeiramente religiosa sem
possuir um conhecimento sistemático doutrinário.
"Se
conheces estas coisas, feliz serás se as observas", é a mensagem de Deus
ao teólogo. "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não
tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" (2Tim.
2:15), é a mensagem de Deus ao homem espiritual.
Qual é
a diferença entre doutrina e dogma? Doutrina é a revelação da verdade como se
encontra nas Escrituras; dogma é a declaração do homem acerca da verdade quando
apresentada em um credo.
Esperamos confiadamente que a teologia ou
doutrina encontre o lugar que merece no pensamento e na educação religiosa.
Para
um ser imortal, a verdade acerca de Deus, do destino humano e do caminho para a
vida eterna, nunca pode ser de pouca importância.
Todos
os homens que raciocinam devem tomar em consideração essas coisas. São
perguntas tão antigas quanto a própria raça humana e só podem ser esquecidas
quando a raça houver submergido na idiotice ou houver perdido a imagem de Deus.
"Assim
como o homem pensa no seu oração, assim ele é. Toda a existência do homem gira
em torno do que pensa, especialmente do que pensa acerca de Deus"
—
David S. Clarke.
II. O VALOR DA DOUTRINA
1. O conhecimento (doutrinário) supre a necessidade de
haver uma declaração autoritária e sistemática sobre a verdade.
Há uma
tendência em certos meios de não somente procurar diminuir o valor de ensinos
doutrinários como também de dispensá-los completamente como sendo
desnecessários e inúteis. Porém, enquanto os homens cogitam sobre os problemas
da sua existência, sentirão a necessidade de uma opinião final e sistemática
sobre esses problemas. A doutrina sempre será necessária enquanto os homens
perguntarem: "De onde vim? quem sou eu? e para onde vou?"
Muitas
vezes se ouve esta expressão: "não importa o que a pessoa crê uma vez que
faça o bem." Essa opinião dispensa a doutrina por julgá-la de nenhuma importância
em relação à vida.
Mas
todas as pessoas têm uma teologia, queiram ou não reconhecê-lo; os atos do
homem são fruto de sua crença. Por exemplo, quão grande diferença haveria no
comportamento da tripulação um navio que estivesse ciente de que viajava em
direção a um destino determinado, e o comportamento da tripulação dum navio que
navegasse à mercê das ondas e sem rumo certo.
A vida
humana é uma viagem do "tempo" para a eternidade, e é de grande
importância a pessoa saber que essa viagem não tem significado ou rumo certo,
ou que é uma viagem planejada pelo seu Criador e dirigida por ele para um
destino celestial.
2.
O conhecimento doutrinário é essencial para o pleno desenvolvimento do caráter
cristão.
As
crenças firmes produzem caráter firme; crenças bem definidas produzem também
convicções bem definidas. Naturalmente, a crença doutrinária da pessoa não é
sua religião, assim como a espinha dorsal do seu organismo não é a sua
personalidade. Mas assim como uma boa espinha dorsal é parte essencial do corpo,
assim um sistema definido de crença é uma parte essencial da religião.
Alguém
disse: "O homem não precisa expor a sua espinha dorsal, no entanto deve
possuí-la para estar bem aprumado. Da mesma forma, o cristão precisa de uma
definição doutrinária para não ser um cristão volúvel e até corcundo!"
Certo pregador francês unitáriano fez a seguinte declaração: "A pureza de
coração e de vida importa mais do que a opinião correta." A essa
declaração outro pregador francês respondeu: "A cura também é mais importante
que o remédio; mas sem o remédio não haveria cura!" Sem dúvida é mais
importante viver a vida cristã do que apenas conhecer as doutrinas cristãs;
porém não pode haver experiência cristã enquanto não houver conhecimentos das
doutrinas cristãs.
3. O conhecimento doutrinário é um baluarte contra o erro.
(Mat.22:29; Gál. 1:6-9; 2 Tim. 4:2-4.)
Diz-se
com razão, que as estrelas surgiram antes da astronomia, e que as flores
existiram antes da botânica, e que a vida existia antes da biologia, e que Deus
existia antes da teologia.
Isto é
verdade. Mas os homens em sua ignorância conceberam idéias supersticiosas
acerca das estrelas, e o resultado foi a pseudociência da astrologia. Os homens
conceberam falsas idéias acerca das plantas, atribuindo-lhes virtudes que não
possuíam, e o resultado foi a feitiçaria. O homem na sua cegueira formou
conceitos errôneos acerca de Deus e o resultado foi o paganismo com suas
superstições e corrupção.
Porém
surgiu a astronomia com seus princípios verdadeiros acerca dos corpos celestes
e dessa maneira expôs os erros da astrologia. Surgiu a botânica com a verdade
sobre a vida vegetal e dessa maneira foram banidos os erros da feitiçaria. Da
mesma maneira, as doutrinas bíblicas expurgam as falsas idéias acerca de Deus e
de seus caminhos.
"Que
ninguém creia que erro doutrinário seja um mal de pouca importância",
declarou D. C. Hodge, teólogo de renome. "Nenhum caminho para a perdição
jamais se encheu de tanta gente como o da falsa doutrina. O erro é uma capa da
consciência, e uma venda para os olhos."
4. O conhecimento doutrinário é uma parte necessária do
equipamento de quem ensina a Palavra de Deus.
Quando
uma remessa de mercadorias chega a uma casa comercial, essas mercadorias são
desempacotadas, devidamente registradas, e colocadas em seus devidos lugares
nas prateleiras para serem vendidas. Essa ilustração mostra que deve haver
certa ordem. Da mesma maneira, um dos propósitos do estudo sistemático é pôr as
doutrinas em ordem. A Bíblia obedece a um tema central. Mas existem muitas verdades
relacionadas com o tema principal que se encontram nos diversos livros da
Bíblia. Assim sucede que, para adquirir um conhecimento satisfatório das
doutrinas, e para poder entregá-lo a outrem, devem-se combinar as referências
relacionadas ao assunto e organizá-las em tópicos e subtópicos.
III. A CLASSIFICAÇÃO DA DOUTRINA
A
teologia inclui muitos departamentos:
1. A teologia exegética (exegética vem da palavra grega que
significa "sacar"ou "extrair" a verdade) procura descobrir
o verdadeiro significado das Escrituras. Um conhecimento das línguas originais
nas quais foram escritas as Escrituras pertence a este departamento da
teologia.
2. A teologia histórica traça a história do desenvolvimento
da interpretação doutrinária, e envolve o estudo da história da igreja.
3. A teologia dogmática é o estudo das verdades fundamentais
da fé como se nos apresentam nos credos da igreja.
4. A teologia bíblica traça o progresso da verdade através
dos diversos livros da Bíblia, e descreve a maneira de cada escritor apresentar
as doutrinas importantes.
Por
exemplo: segundo este método ao estudar a doutrina da expiação estudar-se-ia a
maneira como determinado assunto foi tratado nas diversas seções da Bíblia — no
livro de Atos, nas Epístolas, e no Apocalipse. Ou verificar-se-ia o que Cristo,
Paulo, Pedro ou João disseram acerca do assunto. Ou descobrir-se-ia o que cada
livro ou seção das Escrituras ensinou concernente às doutrinas de Deus, de
Cristo, da expiação, da salvação e de outras.
5. A teologia sistemática. Neste ramo de estudo os ensinos
bíblicos concernentes a Deus e ao homem são agrupados em tópicos, de acordo com
um sistema definido; por exemplo, as Escrituras relacionadas à natureza e à
obra de Cristo são classificadas sob o título: "Doutrina de Cristo".
A
matéria contida no presente livro é uma combinação de teologia bíblica e
sistemática. É bíblica no sentido de que as verdades são extraídas das
Escrituras e o estudo acompanha as perguntas: "Que dizem as Escrituras
(exposição) e que significam as Escrituras (interpretação)"? É sistemática
no sentido de que a matéria está agrupada segundo uma ordem definida.
IV. UM SISTEMA DE DOUTRINA
Qual é
a ordem a que vai obedecer o agrupamento desses tópicos? Não se pode fazer uma
regra rígida. Há muitos modos de fazer esses agrupamentos, cada qual possuindo
o seu valor peculiar.
Procuraremos
seguir a ordem baseada sobre as relações de Deus com o homem, nas quais Deus
visa a redenção da humanidade.
1. A doutrina das Escrituras. De que fonte extrairemos a verdade
inerente acerca de Deus? A natureza, na verdade, revela a existência, o poder e
sabedoria de Deus. Mas não expõe o caminho do perdão, e nenhum meio provê de
escapar ao pecado e suas conseqüências.Ela não supre incentivo algum para a
santidade e nenhuma revelação fornece acerca do futuro. Deixando de lado o
primeiro livro de Deus — a natureza — vamos ao outro livro de Deus — a Bíblia —
na qual encontramos a revelação perfeita de Deus concernente a esses assuntos.
Qual a
razão de se aceitarem as opiniões bíblicas como sendo a pura verdade? A
resposta a tal pergunta leva-nos ao estudo da natureza das Escrituras, a sua
inspiração, precisão e confiança.
2. A doutrina de Deus. Procuramos verificar o que as
Escrituras ensinam acerca do maior de todos os fatos — o fato de Deus, sua
natureza e existência.
3. A doutrina dos anjos. Do Criador naturalmente passamos ao
estudo de suas criaturas, e, portanto, vamos considerar as mais elevadas de
suas criaturas: os anjos. Este tópico também inclui os anjos maus, Satanás e os
demônios.
4. A doutrina do homem. não nos demoraremos muito tempo no
tema dos espíritos maus e bons, mas passaremos a considerar a opinião bíblica acerca
do homem, porque todas as verdades bíblicas se agrupam ao redor de dois pontos
focais — Deus e o homem. Em segundo lugar em importância, apos o estudo de
Deus, está o estudo acerca do homem.
5. A doutrina do pecado. O fato mais trágico em conexão com o
homem é o pecado e suas conseqüências. As Escrituras nos falam de sua origem,
natureza, conseqüências e remédio.
6. A doutrina de Cristo. Segue-se, depois do pecado do homem,
o estudo da pessoa e da obra de Cristo, o Salvador do homem.
7. A doutrina da expiação. Sob este título consideramos os fatos
que esclarecem o significado da obra de Cristo a favor do homem.
8. A doutrina da salvação. Como se aplica a expiação às
necessidades do homem e como se faz real em sua experiência? Os fatos que nos
dão essa resposta agrupam-se sob a doutrina da salvação.
9. A doutrina do Espírito Santo. Como se faz real no homem a obra de
Cristo? Isto é assunto tratado na doutrina da natureza e da obra do Espírito
Santo.
10. A doutrina da igreja. Os discípulos de Cristo obviamente
necessitam de alguma organização para se realizarem os propósitos de adoração,
instrução, comunhão e propagação do Evangelho. O Novo Testamento nos fala
acerca da natureza e da obra dessa organização.
11. A doutrina das últimas coisas. É natural dirigirmos o nosso olhar
para o futuro e pensar: "Qual será o resultado final de todas as coisas —
a vida, a história, o mundo?" — Tudo o que se relaciona com o futuro então
se agrupa sob o título: "As últimas coisas".
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