"O dia do nascimento de Jesus é
celebrado em todo o mundo. O aniversário de sua morte levanta a silhueta de uma
cruz no horizonte. Quem é ele?" Com essas palavras um preeminente pregador
fez uma pergunta de suprema importância e de interesse permanente.
A pergunta foi feita pelo próprio Mestre
quando, em uma crise no seu ministério, perguntou: "Quem dizem os homens ser o Filho do homem?" Ele ouviu a
declaração da opinião do povo sem comentar, mas a sua bênção foi pronunciada
sobre a resposta que Pedro havia aprendido de Deus: "Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo."
A pergunta ainda permanece e os homens até
agora tentam responder. Mas a verdadeira resposta deve vir do Novo Testamento,
escrito por homens que intimamente conheceram Jesus, por cujo conhecimento
tinham por perda todas as coisas.
I. A
NATUREZA DE CRISTO.
A pergunta "Quem é Cristo?" tem sua
melhor resposta na declaração e explicação dos "nomes", títulos pelos
quais ele é conhecido.
1. Filho de Deus (Deidade).
Da mesma forma como "filho do
homem" significa um nascido do homem, assim também Filho de Deus significa
um nascido de Deus. Por isso dizemos que esse título proclama a Deidade de
Cristo. Jesus nunca é chamado um Filho de Deus, como os homens santos são
chamados filhos de Deus (Jo 2:1). Ele é o Filho de Deus no sentido único. Jesus
é descrito mantendo uma relação para com Deus não participada por nenhuma outra
pessoa no universo. Para explicar e confirmar essa verdade considere o
seguinte:
(a) Consciência de si mesmo.
Qual era o conteúdo do conhecimento de Jesus acerca de si mesmo; isto é, que
sabia Jesus de si mesmo? Lucas, o único escritor que relata um incidente da
infância de Jesus, diz-nos que com a idade de doze anos (pelo menos) Jesus estava
cônscio de duas coisas: primeira, uma revelação especial para com Deus a quem
ele descreve como seu Pai; segunda, uma missão especial na terra — "nos
negócios de meu Pai". Exatamente como e quando este conhecimento de si
mesmo veio a ele, deve permanecer um mistério para nós. Quando pensamos em Deus
vindo a nós em forma humana devemos reverentemente exclamar: "Grande é o
mistério da piedade!" Não obstante tratar-se de mistério, a seguinte
ilustração pode ser proveitosa. Ponde uma criancinha diante de um espelho; ela
se verá, porém, sem se reconhecer. Mas virá o tempo quando ela há de saber que
a imagem refletida representa sua própria pessoa. Em outras palavras, a criança
adquiriu a consciência de sua identidade. Não poderia ter sido assim com o
Senhor Jesus? Ele sempre foi o Filho de Deus, porém chegou o tempo quando,
depois de estudar as Escrituras relacionadas com o Messias de Deus, raiou em
sua mente o conhecimento íntimo, de que ele, o Filho de Maria, não era outro
senão o Cristo de Deus. Em vista de o Eterno Filho de Deus ter vivido uma vida
perfeitamente natural e humana, é razoável pensar que o autoconhecimento de sua
Deidade houvesse surgido dessa maneira. No rio Jordão, Jesus ouviu a voz do Pai
corroborando e confirmando o seu conhecimento intimo (Mat. 3:17), e no deserto
resistiu com êxito à tentativa de Satanás de fazê-lo duvidar de sua filiação
("Se tu és o Filho de Deus..." Mat. 4:3). Mais tarde em seu
ministério louvou a Pedro pelo testemunho divinamente inspirado concernente à
sua Deidade e ao seu caráter messiânico. (Mat. 16:15-17.) Quando diante do
concilio judaico, Jesus poderia ter escapado à morte, negando sua filiação
ímpar e simplesmente afirmando que ele era um dos filhos de Deus no mesmo
sentido em que o são todos os homens; porém, sendo-lhe exigido juramento pelo
sumo sacerdote, ele declarou sua consciência de Divindade, apesar de saber que
isso significaria a sentença de morte. (Mat. 26:63-65.)
(b) As reivindicações de Jesus. Ele
se colocou lado a lado com a atividade divina. "Meu Pai trabalha até
agora, e eu trabalho também." "Saí do Pai" (João 16:28). "O
Pai me enviou" (João 20:21). Ele reivindicava uma comunhão e um
conhecimento divinos. (Mat. 11:27; João 17:25.) Alegava revelar a essência do
Pai em si mesmo. (João 14:9-11.) Ele assumiu prerrogativas divinas: Onipresença
(Mat. 18:20); poder de perdoar pecados (Mat. 2:5-10); poder de ressuscitar os
mortos. (João 6:39, 40, 54; 11:25; 10:17, 18.) Proclamou-se Juiz e árbitro do
destino do homem. (João 5:22; Mat. 25:31-46.) Ele exigia uma rendição e uma
lealdade que somente Deus por direito podia reivindicar; insistia em uma
absoluta rendição da parte dos seus seguidores. Eles deviam estar prontos a
cortar os laços mais íntimos e mais queridos, porque qualquer que amasse mais o
pai ou a mãe do que a ele, não era digno dele. (Mat. 10:37; Luc. 14:25-33.)
Essas veementes reivindicações foram feitas por UM que viveu como o mais
humilde dos homens, e foram declaradas de modo simples e natural; por exemplo,
Paulo com igual simplicidade diria "Sou homem e judeu". Para
chegar-se à conclusão de que Cristo era divino é necessário admitir somente
duas coisas: primeira, que Jesus não era um homem mau; segundo, que ele não era
demente. Se ele dissesse que era divino, sabendo que não o era, então não poderia
ser bom; se ele falsamente se imaginasse Deus, então não poderia ser sábio.
Porém nenhuma pessoa sensata sonharia em negar o caráter perfeito de Jesus ou
sua superior sabedoria. Em conseqüência, é inevitável concluir que ele era o
que ele próprio disse ser — o Filho de Deus, em sentido único.
(c) A autoridade de Cristo. Nos
ensinos de Cristo nota-se a completa ausência de expressões como estas: "é
minha opinião"; "pode ser"; "penso que..."; "bem
podemos supor", etc. Um erudito judeu racionalista admitiu que ele falava
com a autoridade do Deus Poderoso. O Dr. Henry Van Dyke assinala que no Sermão
da Montanha, por exemplo, temos: a preponderante visão de um hebreu crente
colocando-se a si mesmo acima da autoridade de sua própria fé; um humilde
Mestre afirmando autoridade suprema sobre toda a conduta humana; um Reformador
moral pondo de lado todos os demais fundamentos, dizendo: "Todo aquele,
pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem
prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha... (Mat. 7:24)" Quarenta e
nove vezes, nesse breve registro do discurso de Jesus, repete-se a solene frase
com a qual ele autentica a verdade: "Em verdade vos digo."
(d) A impecabilidade de Cristo. Nenhum professor que chame
os homens ao arrependimento pode evitar algumas referências às suas próprias
faltas ou imperfeições; em verdade, quanto mais santo ele é, mais lamentará e
reconhecerá suas próprias limitações. Porém, nas palavras e nas obras de Jesus
há uma ausência completa de conhecimento ou confissão de pecado. Embora
possuísse profundo conhecimento do mal e do pecado, em sua alma não havia a
mais leve sombra ou mácula de pecado. Ao contrário, ele, o mais humilde dos
homens, desafiou a todos: "Quem dentre vós me convence de pecado?"
(João 8:46).
(e) O testemunho dos discípulos.
Jamais algum judeu pensou que Moisés fosse divino; nem o seu discípulo mais
entusiasta nunca lhe teria atribuído uma declaração como esta:
"Batizando-as em nome do Pai, e de Moisés, e do Espírito Santo."
(Vide Mat. 28:19.) E a razão disso é que Moisés nunca falou nem agiu como quem
procedesse de Deus e fosse participante de sua natureza. Por outro lado, o Novo
Testamento expõe este milagre: Aqui está um grupo de homens que andava com
Jesus e que o viu em todos os aspectos característicos de sua humanidade — que,
no entanto, mais tarde o adorou como divino, o proclamou como o poder para a
salvação e invocou o seu nome em oração. João, que se reclinava no peito de
Jesus, não hesitou em dele falar como sendo Jesus o eterno Filho de Deus, que
criou o universo (João 1:1, 3), e relatou, sem nenhuma hesitação ou desculpa, o
ato da adoração de Tomé e a sua exclamação: "Senhor meu, e Deus meu!"
(João 20:28). Pedro, que tinha visto o seu Mestre comer, beber e dormir, que o
havia visto chorar — enfim, que tinha testemunhado todos os aspectos da sua
humanidade, mais tarde disse aos judeus que Jesus está à destra de Deus; que
ele possui a prerrogativa de conceder o Espírito Santo (Atos 2:33, 36); que ele
é o único caminho da salvação (Atos 4:12); quem perdoa os pecados (Atos 5:31);
e é o Juiz dos mortos. (Atos 10:42.) Em sua segunda epístola 3:18) ele o adora,
atribuindo-lhe "glória assim agora como no dia da eternidade".
Nenhuma prova existe de que Paulo o apóstolo tivesse visto Jesus em carne,
apesar de tê-lo visto em forma glorificada), mas esteve em contato direto com
aqueles que o tinham visto. E este Paulo, que jamais perdera essa reverência
para com Deus, reverência que desde a sua mocidade estava nele profundamente
arraigada, contudo, com perfeita serenidade descreve Jesus como "o Grande
Deus e nosso Salvador" (Tito 2:13); apresenta-o como encarnando a
plenitude da Divindade (Gál. 2:9), como sendo o Criador e Sustentador de todas
s coisas. (Gál. 1:17.) Como tal, seu nome deve ser invocado em oração (1 Cor.
1:2; vide Atos 7:59), e seu nome está associado com o do Pai e o do Espírito
Santo à bênção. (2 Cor. 13:14.) Desde o princípio a igreja primitiva
considerava e adorava a Cristo como divino. No princípio do segundo século um oficial
romano relatou que os cristãos costumavam reunir-se de madrugada para
"cantar um hino de adoração a Cristo, como se fosse a Deus". Um autor
pagão escreveu: "Os cristãos ainda estão adorando aquele grande homem que
foi crucificado na Palestina." Até o escárnio dos pagãos é um testemunho
da deidade de Cristo.
Em um antigo palácio romano foi encontrada
uma inscrição (que data do terceiro século) apresentando uma figura humana com
cabeça de asno pendurado na cruz, enquanto que um homem está de pé em atitude
de adoração. Em baixo aparece a inscrição: "Alexamenos adora a seu
Deus." O Dr. Henry Van Dyke comenta: Assim os cânticos e orações dos
crentes, as acusações dos perseguidores, o escárnio dos céticos, e as pilhérias
grosseiras dos escarnecedores, tudo se une para provar, sem dúvida, que os
primitivos cristãos rendiam honra divina ao Senhor Jesus... não há razão para
duvidar de que os primitivos cristãos houvessem visto em Cristo uma revelação
pessoal de Deus, assim como não pode haver dúvida de que os amigos e seguidores
de Abraão Lincoln o tenham considerado um bom e leal cidadão americano.
Entretanto, não devemos inferir dai que a igreja primitiva não adorasse a Deus,
o Pai, pois sabemos que era costume geral orar ao Pai em nome de Jesus e
dar-lhe graças pelo dom do Filho. Mas, para eles era tão real a deidade de
Cristo e a unidade entre as duas Pessoas, que lhes era muito natural invocar o
nome de Jesus.
Foi a firme lealdade deles ao ensino do
Antigo Testamento acerca da verdade de Deus, combinada com a firme crença na
deidade de Cristo, que os conduziu a formular a doutrina da Trindade. Embora as
seguintes palavras do credo de Nicéia (século quarto) tenham sido, como ainda
são, recitadas por muitos de uma maneira formalista, não obstante, elas expressam
fielmente sincera convicção da igreja primitiva: Cremos em um Senhor Jesus
Cristo, o Filho de Deus, o Unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus
de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, foi feito;
sendo da mesma substância que o Pai; pelo qual foram feitas todas as coisas que
estão no céu e na terra, e o qual por nós os homens e por nossa salvação
desceu, encarnou e foi feito homem, sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, e
ascendeu ao céu, donde virá outra vez para julgar os vivos e os mortos.
2. O Verbo (pré-existência e atividade
eternas).
A palavra do homem é aquela por meio da qual
ele se expressa e por meio da qual ele se comunica com os seus semelhantes. Por
sua palavra ele dá a conhecer seus pensamentos e sentimentos, e por sua palavra
ele manda e executa a sua vontade. A palavra com que se expressa está
impregnada de seu pensamento e de seu caráter.
Pela expressão verbal de um homem até um cego
pode conhecê-lo perfeitamente. Embora se veja uma pessoa e dela se tenha
informações, não se conhecerá bastante enquanto ela não falar. A palavra do
homem é a expressão de seu caráter. Da mesma maneira, a "Palavra de
Deus" é o veiculo mediante o qual Deus se comunica com outros seres, e é o
meio pelo qual Deus expressa o seu poder, a sua inteligência e a sua vontade.
Cristo é a Palavra ou Verbo, porque por meio
dele, Deus revelou sua atividade, sua vontade e propósito, e por meio dele tem
contato com o mundo. Nós nos expressamos por meio de palavras; o eterno Deus se
expressa a si mesmo por meio do seu Filho, o qual "é a expressa imagem da
sua pessoa" (Heb. 1:3). Cristo é a Palavra de Deus, demonstrando-o em
pessoa. Ele não somente traz a mensagem de Deus — ele é a mensagem de Deus.
Considere-se a necessidade de tal Revelador. Procure-se compreender a extensão
do universo com seus imensuráveis milhões de corpos celestes, cobrindo
distâncias que deixam estupefata a mente; imaginem-se as infinitas extensões do
espaço além do universo material; a seguir, procure-se compreender a grandeza
daquele que é o Autor de tudo isso. Considere-se por outro lado, a
insignificância do homem. Tem-se calculado que se todas as pessoas neste mundo
medissem 1,80m de altura, 45cm de largura, e 30cm de espessura, os três bilhões
da raça humana caberiam em uma caixa medindo menos de um quilometro cúbico.
Deus — quão poderoso e vasto! O homem — quão infinitesimal! Além disso, esse
Deus é Espírito, portanto, não pode ser compreendido pelo olho material, nem
pelos demais sentidos naturais. Surge a grande pergunta: Como pode o homem ter
comunhão com um Deus como esse? Como pode sequer ter a mínima idéia da sua
natureza e caráter? É certo que Deus se revelou pela palavra profética, por
meio de sonhos e visões e por meio de manifestações temporais. Porém, o homem
anelava por uma resposta mais clara à seguinte pergunta: Como é Deus? Para
responder a esta pergunta, surgiu o evento mais significativo da história —
"E o Verbo se fez carne" (João 1:14). O Verbo eterno de Deus tomou
sobre si mesmo a natureza humana e se tornou homem, a fim de revelar o eterno
Deus por meio de uma personalidade humana. "Havendo Deus antigamente
falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais pelos profetas, a nós
falou-nos nestes últimos dias pelo Filho" (Heb. 1:1, 2). De modo que à
pergunta "como é Deus?", o cristão responde: Deus é como Cristo,
porque Cristo é o Verbo — a idéia que Deus tem de si mesmo. Isto é, ele é
"a expressa imagem da sua pessoa" (Heb. 1:3), "a imagem do Deus
invisível" (Col. 1:5).
3. Senhor (deidade, exaltação e
soberania).
Uma ligeira consulta a uma concordância
bíblica revelará o fato de que "Senhor" é um dos títulos mais comuns
dados a Jesus. Este título indica a sua deidade, exaltação e soberania.
(a)
Deidade. O título "Senhor", ao ser usado como
prefixo antes de um nome, transmitia, tanto a judeus como a gentios, o
pensamento de deidade. A palavra "Senhor" no grego
("Kurios") era equivalente a "Jeová " na tradução grega do
Antigo Testamento; portanto, para os judeus "o Senhor Jesus" era
claramente uma imputação de deidade. Quando o imperador dos romanos se referia
a si mesmo como "Senhor César", requerendo que seus súditos dissessem
"César é Senhor", os gentios entendiam que o imperador estava
reivindicando divindade. Os cristãos entendiam o termo da mesma maneira, e
preferiam sofrer perseguição a atribuir a um homem um título que somente
pertencia a Um que é verdadeiramente divino. Somente àquele a quem Deus
exaltara eles renderiam adoração e lhe atribuiriam senhorio.
(b) Exaltação. Na
eternidade Cristo possui o título "Filho de Deus" em virtude da sua
relação com Deus. (Fil. 2:9); na história Ele ganhou o título
"Senhor", por haver morrido e ressuscitado para a salvação dos
homens. (Atos 2:36; 10:36; Rom. 14:9.) Ele sempre foi divino por natureza; chegou
a ser Senhor por merecimento. Por exemplo: Se um jovem nascido na família de um
multimilionário não está contente em herdar aquilo pelo qual outros tenham
trabalhado, mas deseja possuir unicamente o que ganhou por seus próprios
esforços, ele então voluntariamente renuncia a seus privilégios, toma o lugar
de um trabalhador comum, e por meio do seu labor conquista para si um lugar de
honra e riqueza. Igualmente, o Filho de Deus, apesar de ser por natureza igual
a Deus, voluntariamente sujeitou-se a si mesmo às limitações humanas, porém sem
pecado, tomando sobre si a natureza do homem, fez-se servo do homem, e
finalmente morreu na cruz para redenção do mesmo homem. Como recompensa, Cristo
foi exaltado ao domínio sobre todas as criaturas — uma recompensa apropriada,
pois, que melhor credencial poderia alguém ter para exercer senhorio sobre os
homens, visto que os amara e se entregara a si mesmo por eles? (Apoc. 1:5.)
Esse direito já foi reconhecido por milhões e a cruz tomou-se um degrau pelo
qual Jesus alcançou a soberania dos corações dos homens.
(c) Soberania. No
Egito, Jeová se revelou a Israel como Redentor e Salvador; no Sinai, como
Senhor e Rei. As duas coisas se justapõem, porque ele, que se tomou Salvador
deles, tinha direito de ser o seu Soberano. É por isso que os Dez Mandamentos
iniciam com a declaração: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra
do Egito, da casa da servidão" (Êxo. 20:2). Em outras palavras, "Eu,
o Senhor, que vos redimi, tenho o direito de governar sobre vós." E assim
aconteceu com Cristo e seu povo. Os cristãos primitivos reconheceram
instintivamente — como todos os verdadeiros discípulos — que aquele que os
redimiu do pecado e da destruição, tem o direito de ser o Senhor de suas vidas.
Comprados por bom preço, não pertencem a si mesmos (1 Cor. 6:20), mas, sim, a
quem morreu e ressuscitou por eles. (2 Cor. 5:15.) Portanto, o título
"Senhor", aplicado a Jesus pelos seus seguidores, significa:
"Aquele que por sua morte ganhou o lugar de soberania no meu coração, e a
quem me sinto constrangido a adorar e servir com todas as minhas forças."
O paralítico que foi curado, ao ser repreendido por levar sua cama no dia de
sábado, respondeu: "Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma a tua
cama, e anda" (João 5:11). Ele soube, instintivamente, com a lógica do
coração, que Jesus que lhe tinha dado saúde, possuía o direito de dizer-lhe
como usar essa saúde. Se Jesus é o nosso Salvador, deve ser o nosso Senhor.
4. Filho do homem (humanidade)
(a) Quem? De
acordo com o hebraico a expressão "filho de" denota relação e
participação. Por exemplo: "Os filhos do reino" (Mat. 8:12) são
aqueles que hão de participar de suas verdades e bênçãos. "Os filhos da
ressurreição" (Luc. 20:36) são aqueles que participam da vida
ressuscitada. Um "filho de paz" (Luc. 10:6) é um que possui caráter
pacifico. Um "filho da perdição" (João 17:12) é um destinado a sofrer
a ruína e a condenação. Portanto, "filho do homem" significa,
principalmente, um que participa da natureza humana e das qualidades humanas.
Dessa maneira, "filho do homem" vem a ser uma designação enfática
para o homem em seus atributos característicos de debilidade e impotência.
(Num. 23:19; Jo 16:21; 25:6.) Neste sentido o título é aplicado oitenta vezes a
Ezequiel, como uma recordação de sua debilidade e mortalidade, e como um
incentivo à humanidade no cumprimento da sua vocação profética. Aplicado a
Cristo, "Filho do homem" designa-o como participante da natureza e
das qualidades humanas, e como sujeito às fraquezas humanas. No entanto, ao
mesmo tempo, esse título implica sua deidade, porque, se uma pessoa
enfaticamente declarasse: "Sou filho de homem", a ele dir-se-ia:
"Todos sabem disso." Porém, a expressão nos lábios de Jesus significa
uma Pessoa celestial que se havia identificado definitivamente com a humanidade
como seu representante e Salvador. Notemos também que é: o — e não um — Filho
do homem. O título está relacionado com a sua vida terrena (Mar. 2:10; 2:28;
Mat. 8:20; Luc. 19:10), com seus sofrimentos a favor da humanidade (Mar. 8:31),
e com sua exaltação e domínio sobre a humanidade (Mat. 25:31; 26:24. Vide Dan.
7:14). Ao referir-se a si mesmo como "Filho do homem", Jesus desejava
expressar a seguinte mensagem: "Eu, o Filho de Deus, sou Homem, em
debilidade, em sofrimento, mesmo até à morte. Todavia, ainda estou em contato
com o Céu de onde vim, e mantenho uma relação com Deus que posso perdoar
pecados (Mat. 9:6), e sou superior aos regulamentos religiosos que somente tem
significado temporal e nacional. (Mat. 12:8.) Esta natureza humana não cessará
quando eu tiver passado por estes últimos períodos de sofrimento e morte que
devo suportar para a salvação do homem e para consumar a minha obra. Porque
subirei e a levarei comigo ao céu, de onde voltarei para reinar sobre aqueles
cuja natureza "tornei sobre mim". A humanidade do Filho de Deus era
real e não fictícia Ele nos é descrito como realmente padecendo fome, sede,
cansaço, dor, e como estando sujeito em geral às debilidades da natureza, porém
sem pecado.
(b) Como? Por
qual ato, ou meio, o Filho de Deus veio a ser Filho do homem? Que milagre pôde
trazer ao mundo "o segundo homem" que é o "Senhor do céu"?
(1 Cor. 15:47.) A resposta é que o Filho de Deus veio ao mundo como Filho do
homem sendo concebido no ventre de Maria pelo Espírito Santo, e não por um pai
humano. E a qualidade da vida inteira de Jesus está em conformidade com a
maneira do seu nascimento. Ele que veio através de um nascimento virginal,
viveu uma vida virginal (inteiramente sem pecado) — sendo essa última
característica um milagre tão grande como o primeiro. Ele que nasceu
milagrosamente, viveu milagrosamente, ressuscitou dentre os mortos
milagrosamente e deixou o mundo milagrosamente. Sobre o ato do nascimento
virginal está baseada a doutrina da encarnação. (João 1:14.) A seguinte
declaração dessa doutrina é da pena do erudito Martin Scott: Como todos os
cristãos sabem, a encarnação significa que Deus (isto é, o Filho de Deus) se
fez homem. Isso não quer dizer que Deus se tomou homem, nem que Deus cessou de
ser Deus e começou a ser homem; mas que, permanecendo como Deus, ele assumiu ou
tomou uma natureza nova, a saber, a humana, unindo esta à natureza divina no
ser ou na pessoa — Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Na festa
das bodas de Caná, a água tornou-se em vinho pela vontade de Jesus Cristo, o
Senhor da Criação (João 2:1-11). Não aconteceu assim quando Deus se fez homem,
pois em Caná a água deixou de ser água, quando se tornou em vinho, mas Deus
continuou sendo Deus, quando se fez homem. Um exemplo que nos poderá ajudar a
compreender em que sentido Deus se fez homem, mas ainda não ilustra de maneira
perfeita a questão, é aquele de um rei que por sua própria vontade se fizera
mendigo. Se um rei poderoso deixasse seu trono e o luxo da corte, e vestisse os
trapos de um mendigo, vivesse com mendigos, compartilhasse seus sofrimentos,
etc., e isto, para poder melhorar-lhes as condições de vida, diríamos que o rei
se fez mendigo, porém ele continuaria sendo verdadeiramente rei. Seria correto
dizer que o que o mendigo sofreu era o sofrimento de um rei; que, quando o
mendigo expiava uma culpa, era o rei que expiava, etc. Visto que Jesus Cristo é
Deus e homem, é evidente que Deus, de alguma maneira é homem também. Agora,
como é que Deus é homem? Está claro que ele nem sempre foi homem, porque o
homem não é eterno, mas Deus o é. Em um certo tempo definido, portanto, Deus se
fez homem tomando a natureza humana. Que queremos dizer com a expressão
"tomar a natureza humana"? Queremos dizer que o Filho de Deus,
permanecendo Deus, tomou outra natureza, a saber, a do homem, e a uniu de tal
maneira com a sua, que constituiu uma Pessoa, Jesus Cristo. A encarnação,
portanto, significa que o Filho de Deus, verdadeiro Deus desde toda a
eternidade, no curso do tempo se fez verdadeiro homem também, em uma Pessoa,
Jesus Cristo, constituída de duas naturezas, a humana e a divina. Isso,
naturalmente é um mistério. não podemos compreendê-lo, assim como tampouco
podemos conceber a própria Trindade. Há mistérios em toda parte. Não podemos
compreender como a erva e a água, que alimentam o gado, se transformam em carne
e sangue. Uma análise química do leite não demonstra conter ele nenhum
ingrediente de sangue, entretanto, o leite materno se torna em sangue e carne
da criança. Nem a própria mãe sabe como no seu corpo se produz o leite que dá a
seu filho. Nenhum dentre os sábios do mundo pode explicar a conexão existente
entre o pensamento e a expressão desse pensamento, ou seja, as palavras. Não
devemos, pois, estranhar se não podemos compreender a encarnação de Cristo.
Cremos nela porque aquele que a revelou, é o próprio Deus, que não pode enganar
nem ser enganado.
(c) Por que o
Filho de Deus se fez Filho do homem, ou quais foram os propósitos da
encarnação?
1)
Como já observamos, o Filho de Deus veio ao mundo para ser o Revelador de Deus.
Ele afirmou que as suas obras e suas palavras eram guiadas por Deus (João 5:19,
20; 10:38); sua própria obra evangelizadora foi uma revelação do coração do Pai
celestial, e aqueles que criticaram sua obra entre os pecadores demonstraram
assim sua falta de harmonia com o espírito do céu. (Luc. 15:1-7.)
2) Ele
tomou sobre si nossa natureza humana para glorificá-la e desta maneira
adaptá-la a um destino celestial. Por conseguinte, formou um modelo, por assim
dizer, pelo qual a natureza humana poderia ser feita à semelhança divina. Ele,
o Filho de Deus, se fez Filho do homem, para que os filhos dos homens pudessem
ser feitos filhos de Deus (João 1:2), e um dia serem semelhantes a ele (1 João
3:2); até os corpos dos homens serão "conforme o seu corpo glorioso"
(Fil. 3:21). "O primeiro homem (Adão), da terra, é terreno: o segundo
homem, o Senhor é do céu" (1Cor. 15:47); e assim, "como trouxemos a
imagem do terreno (vide Gên. 5:3), assim traremos também a imagem do
celestial" (verso 49), porque "o último Adão foi feito em espírito
vivificante" (verso 45).
3)
Porém, o obstáculo a impedir a perfeição da humanidade era o pecado — o qual,
ao princípio, privou Adão da glória da justiça original. Para resgatar-nos da
culpa do pecado e de seu poder, o Filho de Deus morreu como sacrifício
expiatório.
5. Cristo (título oficial e missão)
(a)
A profecia. "Cristo" é a forma grega da
palavra hebraica "Messias", que literalmente significa, "o
ungido". A palavra é sugerida pelo costume de ungir com óleo como símbolo
da consagração divina para servir. Apesar de os sacerdotes, e às vezes os
"Ungido" era particularmente aplicado aos reis de Israel que reinavam
como representantes de Jeová . (2 Sam. 1:14.) Em alguns casos o símbolo da
unção era seguido pela realidade espiritual, de maneira que a pessoa vinha a
ser, em sentido vital, o ungido do Senhor, (1 Sam. 10:1, 6; 16:13.) Saul foi um
fracassado, porém Davi, que o sucedeu, foi "um homem segundo o coração de
Deus", um rei que considerava suprema em sua vida a vontade de Deus e que
se considerava como representante de Deus. Porém, a grande maioria dos reis se
apartou do ideal divino e conduziu o povo à idolatria; e até alguns dos reis
mais piedosos não estavam sem culpa nesse particular. Sob esse fundo negro, os
profetas expuseram a promessa da vinda de um rei da casa de Davi, um rei ainda
maior do que Davi. Sobre ele descansaria o Espírito do Senhor com um poder
nunca visto (Isa. 11:1-3; 61:1). Apesar de Filho de Davi, também seria ele o
Filho de Jeová , recebendo nomes divinos (Isa. 9:6, 7; Jer. 23:6). Diferente do
de Davi, seu reino seria eterno, e sob seu domínio estariam todas as nações.
Esse era o Ungido, ou o Messias, ou o Cristo, e sobre ele concentravam-se as
esperanças de Israel.
(b)
O Cumprimento. O testemunho constante do Novo Testamento é
que Jesus se declarou o Messias, ou Cristo, prometido no Antigo Testamento.
Assim como o presidente deste pais é primeiramente eleito e depois publicamente
toma posse do governo, da mesma maneira, Jesus Cristo foi eternamente eleito
para ser o Messias e Cristo, e depois empossado publicamente em seu oficio
messiânico no rio Jordão. Assim como Samuel ungiu primeiro a Saul e depois
explicou o significado da unção (1Sam. 10:1), da mesma maneira Deus, o Pai,
ungiu a seu Filho com o Espírito de poder e sussurrou no seu ouvido o
significado da sua unção: "Tu és o meu Filho amado em quem me
comprazo" (Mar. 1:11). Em outras palavras: "Tu és o Filho de Jeová,
cuja vinda foi predita pelos profetas, e agora te doto de autoridade e poder
para a tua missão, e te envio com minha bênção." As pessoas entre as quais
Jesus teria de ministrar esperavam a vinda do Messias, mas infelizmente suas
esperanças eram coloridas por uma aspiração política. Esperavam um "homem
forte", que fosse uma combinação de soldado e estadista. Seria Jesus esse
tipo de Messias? O Espírito o conduziu ao deserto para debater a questão com
Satanás, que astuciosamente lhe sugeriu que adotasse um programa popular e
dessa maneira tomasse o caminho mais fácil e curto para o poder.
"Concede-lhes seus anelos materiais", sugeriu o Tentador (vide Mat.
4:3, 4 e João 6:14, 15, 26), "deslumbra-os saltando do pináculo do templo
(e logicamente ficarás em boas relações com o sacerdócio), faze-te o campeão do
povo e conduze-os à guerra." (Vide Mat. 4:8, 9 e Apoc. 13:2, 4.) Jesus
sabia que Satanás estava advogando a política popular, a qual era inspirada por
seu próprio espírito egoísta e violento. Que esse curso de ação conduziria ao
derramamento de sangue e à violência, não havia dúvida. Não! Jesus seguiria a
direção do seu Pai e confiaria somente nas armas espirituais para conquistar os
corações dos homens, ainda que a senda conduzisse à falta de compreensão, ao
sofrimento, e à morte! Jesus escolheu a cruz. e escolheu-a porque era parte do
programa de Deus para sua vida. Ele nunca se desviou dessa escolha, apesar de
ser muitas vezes tentado a abandonar o caminho da cruz. (Vide, por exemplo,
Mat. 16:22.) Escrupulosamente Jesus conservou-se fora de embaraços na situação
política contemporânea. Às vezes proibia aos que ele curava de espalharem sua
fama, para que seu ministério não fosse mal interpretado como sendo uma
agitação popular contra Roma. (Mat. 12:15, 16; Vide Luc. 23:5.) Nessa ocasião
seu êxito tornou-se uma acusação contra ele. Recusou-se deliberadamente a
encabeçar um movimento popular (João 6:15). Proibia a proclamação pública de
seu caráter messiânico, como também o testemunho de sua transfiguração para que
não suscitassem esperanças falsas entre o povo. (Mat. 16:20; 17:9.) Com
sabedoria infinita, escapou a uma hábil armadilha que o desacreditaria entre o
povo como "traidor da nação", ou, por outro lado, que o envolveria em
dificuldades com o governo romano. (Mat. 22:15-21.) Em tudo isso o Senhor Jesus
cumpriu a profecia de Isaias que o Ungido de Deus seria proclamador da verdade
divina, e não um violento agitador, nem um que buscasse seu próprio bem, nem
que excitasse a população (Mat. 12:16-21), como o faziam alguns dos falsos
messias que o precederam e outros que posteriormente surgiram. (João 10:8; Atos
5:36; 21:38.) Ele evitou fielmente os métodos carnais e seguiu os espirituais,
de maneira que Pilatos, representante de Roma, pôde testificar: " não acho
culpa alguma neste homem." Observamos que Jesus começou seu ministério
entre um povo que tinha a verdadeira esperança de um Messias, tendo porém um
conceito errôneo de sua Pessoa e obra. Sabendo disso, Jesus não se proclamou no
princípio como Messias (Mat. 16:20) porque sabia que isso seria um sinal de
rebelião contra Roma. Ele, de preferência, falava do Reino, descrevendo seus
ideais e sua natureza espiritual, esperando inspirar no povo uma fome por esse
reino espiritual, que por sua vez os conduziria a desejar um Messias
espiritual. E seus esforços neste sentido não foram inteiramente infrutíferos,
pois João, o apóstolo, nos diz (capítulo 1) que desde o princípio houve um
grupo espiritual que o reconhecia como Cristo. Também, de tampos em tempos ele
se revelava a indivíduos que estavam preparados espiritualmente. (João 4:25,
26; 9:35-37.) Porém, a nação em geral não entendia a conexão entre o seu
ministério espiritual e o pensamento do Messias. Admitiam livremente que ele
fosse um Mestre capaz, um grande pregador, e ainda um profeta (Mat. 16:13, 14);
mas certamente, não um que pudesse encabeçar um programa econômico, militar e
político — como julgavam coubesse ao Messias fazer. Mas por que culpar o povo
de uma expectação tal? Em verdade, Deus havia prometido restabelecer um reino
terrena. (Zac. 14:9-21; Amós 9:11-15; Jer. 23:6-8.) Certamente, mas antes desse
evento, deveria operar-se uma purificação moral e uma regeneração espiritual da
nação. (Ezeq. 36:25-27; vide João 3:1-3.) E tanto João Batista, como Jesus,
esclareceram que a nação, na condição em que se encontrava, não estava
preparada para participar desse reino. Daí a exortação: "Arrependei-vos:
porque é chegado o reino dos céus." Mas enquanto as palavras "reino
dos céus" comoviam profundamente o povo, as palavras
"arrependei-vos" não lhes causaram boa impressão. Tanto os chefes
(Mat. 21:31, 32) como o povo (Luc. 13:1-3; 19:41-44) se recusaram a obedecer às
condições do reino e conseqüentemente perderam os privilégios do reino. (Mat.
21:43.) Mas Deus onisciente havia previsto o fracasso de Israel (Isa. 6:9,10;
53:1; João 12:37-40), e Deus Todo-poderoso o tinha dirigido para o fomento de
um plano até então mantido em segredo. O plano era o seguinte: a rejeição por
parte de Israel daria a Deus a oportunidade de tomar um povo escolhido de entre
os gentios (Rom. 11:11; Atos 15:13, 14; Rom. 9:25, 26), que, juntamente com os
crentes judeus, constituiriam um grupo conhecido como a Igreja. (Efés. 3:4-6.)
Jesus mesmo deu a seus discípulos um vislumbre desse período (a época da
igreja) que sucederia entre seus adventos primeiro e segundo, chamando essas
revelações "mistérios" porque não foram reveladas aos profetas do
Antigo Testamento. (Mat. 13:11-17.) Certa ocasião a inabalável fé demonstrada
por um centurião gentio contrastada com a falta de fé em muitos israelitas
trouxe àsua inspirada visão o espetáculo de gentios de todas as terras entrando
no reino que Israel havia rejeitado. (Mat. 8:10-12.) A crise prevista no
deserto havia chegado, e Jesus se preparou para dar tristes noticias a seus
discípulos. Começou com muito tato a fortalecer-lhes a fé com testemunho
divinamente inspirado acerca do seu caráter messiânico, testemunho dado pelo
apóstolo Pedro. Então fez uma surpreendente predição (Mat. 16:18, 19), que se
pode parafrasear da seguinte maneira: "A congregação de Israel (ou
"igreja", Atos 7:38) rejeitou-me como seu Messias, e seus chefes
realmente vão excomungar-me a mim, que sou a verdadeira pedra angular da nação.
(Mat. 21:42.) Mas por isso, não fracassará o plano de Deus porque eu
estabelecerei outra congregação ("igreja"), composta de homens como
tu, Pedro (1 Ped. 2:4-9), que crerão na minha Deidade e caráter messiânico. Tu
serás dirigente e ministro dessa congregação, e teu será o privilégio de
abrir-lhe as portas com a chave da verdade do Evangelho, e tu e teus irmãos
administrareis os seus negócios." Então Cristo fez um anúncio que os
discípulos não compreenderam inteiramente, senão depois de sua ressurreição (Luc.
24:25-48); isto é, que a cruz era parte do programa de Deus para o Messias.
"Desde então começou Jesus a mostrar aos seus discípulos que convinha ir a
Jerusalém, e padecer muito às mãos dos anciãos, e dos principais dos
sacerdotes, e dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia"
(Mat. 16:21). No devido tempo a horrenda profecia foi cumprida. Jesus poderia
ter escapado à morte, negando a sua Deidade; poderia ter sido absolvido negando
que fosse rei; porém, ele persistiu em seu testemunho e morreu numa cruz que
levava a inscrição: ESTE É O REI DOS JUDEUS. Mas o Messias sofredor (Isa.
53:7-9) ressurgiu dentre os mortos (Isa. 53:10, 11), e, como Daniel havia
previsto, ascendeu à destra de Deus (Dan. 7:14; Mat. 28:18), de onde virá para
julgar os vivos e os mortos. Depois desse exame dos ensinos do Antigo e Novo
Testamentos, temos elementos para declarar a definição completa do título
"Messias"; a saber, aquele a quem Deus autorizou para salvar a Israel
e às nações do pecado e da morte, e para governar sobre eles como Senhor de
suas vidas e Mestre. Que semelhante afirmação implica deidade é compreendido
por pensadores judeus, se bem que para eles isso constitui um escândalo. Claude
Montefiore, notável erudito judeu, disse: Se eu pudesse crer que Jesus era Deus
(isto é, Divino), então obviamente ele seria meu Mestre. Porque o meu Mestre —
o Mestre do judeu moderno, é, e só pode ser Deus.
6. Filho de Davi (linhagem real).
Esse título é equivalente a
"Messias", pois uma qualidade importante do Messias era sua descendência
davídica.
(a)
A Profecia. Como recompensa por sua fidelidade, a Davi
foi prometida uma dinastia perpétua (2 Sam. 7:16), a à sua casa foi dada uma
soberania eterna sobre Israel. Esta foi a aliança davídica ou a do trono. Data
desse tempo a esperança de que, acontecesse o que acontecesse à nação, no tempo
assinalado por Deus apareceria um rei pertencente ao trono e à linhagem de
Davi. Em tempos de aflição os profetas relembravam ao povo essa promessa,
dizendo-lhe que a redenção de Israel, e das nações, estava ligada com a vinda
de um grande Rei da casa de Davi. (Jer. 30:9; 23:5; Ezeq. 34:23; Isa. 55:3, 4;
Sal. 89:34-37.) Notemos particularmente Isa. 11:1, que pode ser traduzido como
segue: "Porque brotará rebento do trono de Jessé, e das suas raízes um
renovo frutificará". Em Isa. 10:33,34, a Assíria, a cruel opressora de
Israel, é comparada a um cedro cujo tronco nunca brota renovos, mas apodrece
lentamente. Uma vez cortada, essa árvore não tem futuro. E assim é descrita a
sorte da Assíria, a qual, há muito, desapareceu do palco da história. A casa de
Davi, por outro lado, é comparada a uma árvore que terá novo crescimento do
tronco deixado no solo. A profecia de Isaias é como segue: A nação judaica será
quase destruída, e a casa de Davi cessará como casa real — será cortada junto à
raiz. Entretanto, desse tronco sairá um renovo; das raízes desse tronco sairá
um ramo — o Rei-Messias.
(b)
O cumprimento. Judá foi levado ao cativeiro, e desse
cativeiro voltou sem rei, sem independência, para ficar subjugado,
sucessivamente, pela Pérsia, Grécia, Egito, Síria, e, depois de um breve
período de independência, por Roma. Durante esses séculos de sujeição aos
gentios, houve tempo de desalento quando o povo voltava seu pensamento às
glorias passadas do reino de Davi e exclamava como o Salmista: "Senhor,
onde estão as tuas antigas benignidades que juraste a Davi pela tua
verdade?" (Sal. 89:49.) Os judeus nunca perderam a esperança. Reunidos ao
redor do fogo da profecia Messiânica, fortaleciam seus corações e esperavam
pacientemente pelo Filho de Davi. Não foram desapontados. Séculos depois da
casa de Davi haver cessado, um anjo apareceu a uma jovem judia e disse: "E
eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome
JESUS. Este será grande, e será chamado Filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe
dará o trono de Davi, seu pai; e reinará eternamente na casa de Jacó, e seu
reino não terá fim" (Luc. 1:31-33. Vide Isa. 9:6, 7). Assim um Libertador
se levantou na casa de Davi. Em um tempo quando a casa de Davi parecia estar
reduzida a seu estado mais decadente e quando os herdeiros vivos eram um
humilde carpinteiro e uma simples donzela, então, por milagrosa ação de Deus, o
Ramo brotou do tronco e cresceu tornando-se uma poderosa árvore que tem provido
proteção para um sem-número de povos e nações. O seguinte é a substância da
aliança davídica, como é interpretada pelos inspirados profetas: Jeová desceria
para salvar o seu povo, no tempo em que haveria na terra um descendente da
família de Davi, pelo qual Jeová resgataria e posteriormente governaria o seu
povo. Que Jesus era esse filho de Davi manifesta-se pelo anúncio feito ao tempo
de seu nascimento, por suas genealogias (Mat. 1 e Luc. 3), pelo fato de ter ele
aceitado esse título quando lhe foi atribuído (Mat. 9:27; 20:30, 31; 21:1-11),
e pelo testemunho dos escritores do Novo Testamento. (Atos 13:23; Rom. 1:3; 2
Tim. 2:8; Apo. 5:5; 22:16.) Mas o título "Filho de Davi", não era uma
descrição completa do Messias, porque acentuava principalmente a sua
ascendência humana. Por isso o povo, ignorando as Escrituras que falavam da
natureza divina de Cristo, esperava um Messias humano que seria um segundo
Davi. Em certa ocasião Jesus procurou elevar os pensamentos dos chefes sobre
esse conceito incompleto. (Mat. 22:42-46.) "Que pensais vos de Cristo
(isto é, do Messias)? Ele perguntou: "de quem é filho?" Os fariseus
naturalmente responderam: "é filho de Davi." Então Jesus, citando o
Salmo 110:1, perguntou: "Se Davi lhe chama Senhor, como é ele seu filho?"
Como pode o Senhor de Davi ser filho de Davi? — foi a pergunta que confundiu os
fariseus. A resposta naturalmente é: O Messias é tanto Senhor como filho de
Davi. Pelo milagre do nascimento virginal, Jesus nasceu de Deus e também de
Maria; ele era desse modo o Filho de Deus e Filho do homem. Como Filho de Deus
ele é Senhor de Davi; como filho de Maria ele é filho de Davi.
O Antigo Testamento registra duas grandes
verdades messiânicas. Alguns trechos declaram que o Senhor mesmo virá do céu
para resgatar o seu povo (Isa. 40:10; 42:13; Sal. 98:9); outros esclarecem que
da família de Davi se levantaria um libertador. Essas duas vidas completam-se
na aparição da pequena criança em Belém, a cidade de Davi. Foi então que o
Filho do Altíssimo nasceu como filho de Davi. (Luc. 1:32.)
Notemos como em Isaias 9:6,7, combinam-se a
natureza divina e a descendência davídica do Rei vindouro. O título mencionado
aqui — "Pai da eternidade" — tem sido mal interpretado por alguns,
que dele deduzem não haver Trindade, afirmando erroneamente que Jesus é o Pai e
que o Pai é Jesus. Um conhecimento da linguagem do Antigo Testamento evitaria
esse erro. Naqueles dias um regente que governava sábia e justamente, era
descrito como um "pai" para seu povo. Por isso, o Senhor, falando por
meio de Isaias, diz acerca de um oficial: "E ser como pai para os
moradores de Jerusalém, e para a casa de Judá . E porei a chave da casa de Davi
sobre o seu ombro" (Isa. 22:21, 22). Note-se a semelhança com Isa. 9:6, 7
e vide Apoc. 3:7. Esse título foi aplicado a Davi, conforme se vê na aclamação
do povo na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém: "Bendito o reino do
nosso pai Davi" (Mat. 11:10). Eles não queriam dizer que Davi fosse seu
antecessor, pois nem todos descendiam da sua família; e naturalmente não o
chamariam de Pai celestial. Davi é descrito como "pai" porque, como o
rei segundo o coração de Deus, foi o verdadeiro fundador do reino israelita (já
que Saul foi um malogrado) ampliando suas fronteiras de 9.600 para 96.000
quilômetros quadrados. De igual maneira muitas vezes se refere a George
Washington como o "Pai dos Estados Unidos da América". O
"pai" Davi era humano, e morreu; seu reino foi terrena, e com o tempo
se desintegrou. Mas, de acordo com Isaias 9:6, 7, o descendente de Davi, o
Rei-Messias, seria divino, e seu reino seria eterno. Davi foi um
"pai" temporário para seu povo; o Messias será um Pai eterno
(imortal, divino, imutável), para todo o povo — assim destinado por Deus, o
Pai. (Sal. 2:6-8; Luc. 22:29.)
7. Jesus (obra salvadora).
O Antigo Testamento ensina que Deus mesmo é a
Fonte da salvação: Ele é o Salvador e Libertador de Israel. "A salvação
vem de Deus." Ele livrou o seu povo da servidão do Egito, e daquele tempo
em diante Israel soube, por experiência, que ele era o Salvador. (Sal. 106:21;
Isa. 43:3, 11; 45:15, 22; Jer. 14:48.) Mas Deus age por meio de seus
instrumentos; portanto, lemos que ele salvou Israel por meio do misterioso
"anjo da sua face" (Isa. 63:9). Às vezes foram usados instrumentos
humanos; Moisés foi enviado para libertar Israel da servidão; de tempos em
tempos foram levantados juízes para socorrer Israel. "Mas, vindo a
plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a
lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de
filhos" (Gál. 4:4,5). Ao entrar no mundo, ao Redentor foi dado o
expressivo nome da sua missão suprema: "E chamarás o seu nome JESUS;
porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mat. 1:21). Os primeiros
pregadores do Evangelho não precisaram explicar aos judeus o significado do
nome "Salvador"; já tinham aprendido o fato pela sua própria
história. (Atos 3:26; 13:23.) Eles entenderam a mensagem, mas recusaram-se a
crer. Crucificado, Cristo cumpriu a missão indicada pelo seu nome, Jesus, pois
salvar o povo dos seus pecados implica expiação, e expiação implica morte. Como
na sua morte, assim também durante a vida, ele viveu à altura do seu nome. Foi
sempre o Salvador. Em toda a Palestina muita gente podia testificar: "Eu
estava preso pelo pecado, mas Jesus me libertou." Maria Madalena podia
dizer: "Ele me libertou de sete demônios." Aquele que outrora fora
paralítico, também podia testificar: "Ele perdoou os meus pecados."
II.
OS OFÍCIOS DE CRISTO
Na época do Antigo Testamento havia três
classes de mediadores entre Deus e seu povo: o profeta, o sacerdote, e o rei.
Como perfeito Mediador (1 Tim. 2:5), Cristo reúne em si mesmo os três ofícios.
Jesus é o Cristo-Profeta que ilumina as nações; o Cristo-Sacerdote que se
ofereceu como sacrifício pelas nações; o Cristo-Rei que reinará sobre as
nações.
1. Profeta.
O profeta do Antigo Testamento era o
representante ou agente de Deus na terra, que revelava sua vontade com relação
ao presente e ao futuro. O testemunho dos profetas dizia que o Messias seria um
profeta para iluminar Israel e as nações (Isa. 42:1; vide Rom. 15:8). Os
Evangelhos também apresentam Jesus da mesma forma, como profeta. (Mar. 6:15;
João 4:19; 6:14; 9:17; Mar. 6:4; 1:27)
(a)
Como profeta Jesus pregou a salvação. Os profetas de Israel exerciam
seu ministério mais importante em tempos de crises, quando os governadores e
demais estadistas e sacerdotes estavam confusos e impotentes para atuar. Era
essa a hora em que o profeta entrava em ação e, com autoridade divina, mostrava
o caminho para sair das dificuldades, dizendo: "Este é o caminho, andai
nele." O Senhor Jesus apareceu em um tempo quando a nação judaica se
encontrava em um estado de inquietação causado pelo anelo de libertação
nacional. A pregação de Cristo obrigou a nação a escolher, quanto à espécie de
libertação — ou guerra com Roma ou paz com Deus. Eles escolheram mal e sofreram
a desastrosa conseqüência, a destruição nacional. (Luc. 19:41-44; vide Mat.
26:52.) Tal qual seus desobedientes e rebeldes antepassados que certa vez tentaram
em vão forçar seu caminho para Canaã (Num. 14:40-45), assim também os judeus,
em 68 A. D., tentaram pela força conquistar sua libertação de Roma. Sua
rebelião foi apagada com sangue; Jerusalém e o Templo foram destruídos, e o
judeu errante começou sua dolorosa viagem através dos séculos. O Senhor Jesus
mostrou o caminho de escape do poder e da culpa do pecado, não somente à nação,
mas também ao indivíduo. Aqueles que vieram com a pergunta: Que farei para ser
salvo?, receberam instruções precisas, e essas sempre incluíam uma ordem de
segui-lo. Ele não somente mostrou, mas também abriu o caminho da salvação por
sua morte na cruz.
(b)
Como profeta Jesus anunciou o reino. Todos os profetas falaram
de um tempo quando toda a humanidade estaria sob o domínio da lei de Deus — uma
condição descrita como "o reino de Deus". Esse era um dos temas
principais da pregação de nosso Senhor: "Arrependei-vos, porque é chegado
o reino dos céus (ou de Deus)" (Mat. 4:17). E ele ampliou esse tema
descrevendo a natureza do reino, o estado e a qualidade de seus membros, as
condições de ingresso nele, a sua história espiritual apos a sua ascensão (Mat.
13), e a maneira de seu estabelecimento na terra.
(c)
Como profeta Jesus predisse o futuro. A profecia baseia-se
no princípio de que a história não prossegue descontroladamente, porém é
controlada por Deus, que conhece o fim desde o princípio. Ele revelou o curso
da história a seus profetas, capacitando-os, dessa maneira, a predizerem o
futuro. Como Profeta, Cristo previu o triunfo de sua causa e de seu reino
mediante as mudanças da história humana. (Mat. cap. 24 e 25.) O Cristo
glorificado continua o seu ministério profético por meio de seu corpo, a
igreja, à qual prometeu inspiração (João 14:26; 16:13), e concedeu o dom de
profecia (1 Cor. 12:10). Isso não significa que os cristãos devam acrescentar
algo às Escrituras, que são urna revelação "de uma vez para sempre"
(Jud. 3); mas, pela inspiração do Espírito, trarão mensagens de edificação,
exortação e consolação (1 Cor. 14:3), baseadas na Palavra.
2.
Sacerdote.
Sacerdote, no sentido bíblico, é uma pessoa
divinamente consagrada para representar o homem diante de Deus e para oferecer
sacrifícios que assegurarão o favor divino. "Porque todo o sumo sacerdote
é constituído para oferecer dons e sacrifícios; pelo qual era necessário que
este também tivesse alguma coisa que oferecer" (Heb. 8:3). No Calvário,
Cristo, o Sacerdote, ofereceu-se a si mesmo em sacrifício, para assegurar o
perdão do homem e sua aceitação diante de Deus. Sua vida anterior a este
acontecimento foi uma preparação para sua obra sacerdotal. O Filho Eterno
participou de nossa natureza (Heb. 2:14-16) e de nossas experiências, porque de
outra maneira não podia representar o homem diante de Deus nem oferecer
sacrifícios. Não podia socorrer a humanidade tentada sem saber por experiência
o que era a tentação. Um sacerdote, portanto, devia ser de natureza humana. Um
anjo, por exemplo, não podia ser sacerdote dos homens. Vide o capítulo 16 de
Levítico e os capítulos 8 a 10 de Hebreus. O sumo sacerdote de Israel era
consagrado para representar o homem diante de Deus e para oferecer sacrifícios
que assegurariam o perdão e a aceitação de Israel. Uma vez por ano, o sumo
sacerdote fazia expiação por Israel; em um sentido típico, ele era o salvador
deles, aquele que aparecia ante a presença de Deus para obter o perdão. As
vitimas dos sacrifícios daquele dia eram imoladas no pátio exterior; da mesma
maneira Cristo foi crucificado aqui na terra. Depois o sangue era levado ao
lugar santíssimo e aspergido na presença de Deus; da mesma maneira. Jesus
ascendeu ao céu "para apresentar-se em nosso lugar na presença de
Deus". A aceitação por Deus, de seu sangue, nos dá a certeza da aceitação
de todos os que confiam no seu sacrifício. Apesar de Cristo haver oferecido um
sacrifício perfeito uma vez por todas, sua obra sacerdotal ainda continua. Ele
vive sempre para aplicar os méritos e o poder de sua obra expiatória perante
Deus, a favor dos pecadores. O mesmo que morreu pelos homens agora vive para
eles, para salvá-los e para interceder por eles. E quando oramos: "Em nome
de Jesus", estamos pleiteando a obra expiatória de Cristo como a base da
nossa aceitação, porque somente por ela temos a certeza de sermos "aceitos
no Amado" (Efés. 1:6}
3.
Rei.
O Cristo-Sacerdote é também o Cristo-Rei. O
plano de Deus para o Governante perfeito foi o de que ambos os ofícios fossem
investidos na mesma pessoa. Por isso, Melquisedeque, por ser tanto rei de Salém
como sacerdote do Deus Altíssimo, veio a ser um tipo do Rei perfeito de Deus, o
Messias (Gên. 14:18,19; Heb. 7:1-3). Houve um período na história do povo
hebreu quando esse ideal quase se realizou. Mais ou menos um século e meio
antes do nascimento de Cristo, o pais foi governado por uma sucessão de sumo-sacerdotes
que também eram governantes civis; o governante do pais era tanto sacerdote
como rei. Também, durante a Idade Média, o Papa reivindicou e tentou exercer um
poder, tanto espiritual como temporal sobre a Europa. Ele pretendia governar
como representante de Cristo, segundo afirmava, tanto sobre a igreja como sobre
as nações. O Dr. H. B. Swete, escreveu: "As duas experiências, a judaica e
a cristã, fracassaram; e até onde se pode julgar por esses exemplos, nem os
interesses temporais nem os espirituais dos homens serão promovidos quando
confiados ao mesmo representante. A dupla tarefa é grande demais para ser
desempenhada por um só homem." Mas os escritores inspirados falaram da
vinda de Um que era digno de exercer o duplo cargo. Esse era o Messias esperado,
um Governante e Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (Sal. 110:1-4), e um
"sacerdote no seu trono" (Zac. 6:13). Tal é o Cristo glorificado.
(Vide Sal. 110:1 e Heb. 10:13.) De acordo com as profecias do Antigo
Testamento, o Messias seria um grande Rei da casa de Davi que governaria Israel
e as nações, por meio do seu reino áureo de justiça, paz e prosperidade (Isa.
11:1-9; Salmo 72).
Jesus afirmou ser ele esse Rei. Na presença
de Pilatos ele testificou que nasceu para ser Rei; explicou que o seu reino não
era deste mundo, isto é, não seria um reino fundado por força humana, nem seria
governado de acordo com os ideais humanos (João 18:36). Antes de sua morte,
Jesus predisse sua vinda com poder e majestade para julgar as nações (Mat.
25:31). Mesmo pendurado na cruz ele parecia Rei e como Rei falava, de modo que
o ladrão moribundo percebeu esse fato e exclamou: "Senhor, lembra-te de
mim, quando entrares no teu reino" (Luc. 23:42). Compreendeu que a morte
introduziria Jesus no seu reino celestial. Depois de sua ressurreição, Jesus
declarou: "é-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mat. 28:18).
Depois de sua ascensão foi coroado e entronizado com o Pai. (Apoc. 3:21; vide
Efés. 1:20-22.) Isso significa que, diante de Deus, Jesus é Rei; ele não é
somente Cabeça da Igreja, mas também Senhor de todo o mundo e Mestre dos
homens. A terra é dele e tudo o que nela há. Somente dele são o poder e a
glória desses resplandecentes reinos que Satanás, o tentador, há muito tempo,
mostrou-lhe do cume da montanha. Ele é Cristo o Rei, Senhor do mundo, Possuidor
de suas riquezas, e Mestre dos homens.
Do ponto de vista divino, tudo isso é fato
consumado; mas nem todos os homens reconhecem o governo de Cristo. Apesar de
Cristo ter sido ungido Rei de Israel (Atos 2:30), "os seus" (João
1:11) recusaram-lhe a soberania (João 19:15) e as nações seguem seu próprio
caminho sem tomarem conhecimento de seu governo. Essa situação foi prevista e
predita por Cristo na parábola das minas (Luc. 19:12-25). Naqueles dias, quando
um governante nacional herdava um reino, o costume determinava que ele
primeiramente fosse a Roma a fim de recebê-lo do imperador. Depois disto estava
livre para regressar e assumir o governo. Assim Cristo compara a si mesmo a um
certo nobre que foi a um pais longínquo a receber para si um reino e depois
regressou. Jesus veio do céu à terra, ganhou exaltação e soberania por sua
morte expiatória pelos homens, e depois ascendeu ao trono do Pai para receber a
coroa e o seu governo. "Mas os seus concidadãos aborreciam-se, mandaram
após ele embaixadores, dizendo: não queremos que este reine sobre nos."
Israel, igualmente, rejeitou a Jesus como
Rei. Sabendo que estaria ausente por algum tempo, o nobre da parábola confiou a
seus servos certas tarefas; da mesma maneira, Cristo, prevendo que haveria de
transcorrer um período de tempo entre seu primeiro e segundo adventos, repartiu
a seus servos a tarefa de proclamar o seu reino e ganhar membros para ele,
batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Finalmente, o nobre,
tendo recebido o reino, regressou à sua terra, recompensou a seus servos,
afirmou a sua soberania e puniu os inimigos. Da mesma forma, Cristo regressará
ao mundo e recompensará a seus servos, afirmará a sua soberania sobre o mundo e
punirá os ímpios. Esse é o tema central do livro de Apocalipse. (Apoc.11:15;
12:10;19:16.) Nessa ocasião, sentar-se-á ele sobre o trono de Davi, e ali
continuará o Reino do Filho de Davi, um período de mil anos quando a terra toda
desfrutará de um reino áureo de paz e abundância. Toda esfera de atividade
humana estará sob o domínio de Cristo; a impiedade será suprimida com vara de
ferro; Satanás será preso, e a terra ficará cheia do conhecimento e da gloria
de Deus, "como as águas cobrem o mar".
III.
A OBRA DE CRISTO
Cristo realizou muitas obras, porém a obra
suprema que ele consumou foi a de morrer pelos pecados do mundo. (Mat. 1:21;
João 1:29.) Incluídas nessa obra expiatória figuram a sua morte, ressurreição,
e ascensão. Não somente devia ele morrer por nós, mas também viver por nós. Não
somente devia ressuscitar por nós, mas também ascender para interceder por nós
diante de Deus. (Rom. 8:34; 4:25; 5:10.)
1. Sua morte.
(a)
Sua importância. O evento mais importante e a doutrina
central do Novo Testamento resumem-se nas seguintes palavras: "Cristo
morreu (o evento) por nossos pecados (a doutrina)" (1 Cor. 15:3). A morte
expiatória de Cristo é o fato que caracteriza a religião cristã. Martinho
Lutero declarou que a doutrina cristã distingue-se de qualquer outra, e mui
especialmente daquela que apenas parece ser cristã, pelo fato de ser ela a
doutrina da Cruz. Todas as batalhas da Reforma travaram-se em torno da correta
interpretação da Cruz. O ensino dos reformadores era este: quem compreende
perfeitamente a Cruz, compreende a Cristo e a Bíblia! É essa característica
singular dos Evangelhos que faz do Cristianismo a única religião; pois o grande
problema da humanidade é o problema do pecado, e a religião que apresenta uma
perfeita provisão para o resgate do poder e da culpa do pecado tem um propósito
divino. Jesus é o autor da "salvação eterna" (Heb. 5:9), isto é, da
salvação final. Tudo quanto a salvação possa significar é assegurado por ele.
(b)
Seu significado. Havia certa relação verdadeira entre o homem
e seu Criador. Algo sucedeu que interrompeu essa relação. Não somente está o
homem distanciado de Deus, tendo seu caráter manchado, mas existe um obstáculo
tão grande no caminho que o homem não pode removê-lo pelos seus próprios
esforços. Esse obstáculo é o pecado, ou melhor, a culpa. O homem não pode
remover esse obstáculo; a libertação terá que vir da parte de Deus. Para isso
Deus teria que tomar a iniciativa de salvar o homem. O testemunho das
Escrituras é este: que Deus assim fez. Ele enviou seu Filho do céu à terra para
remover esse obstáculo e dessa maneira reconciliou os homens com Deus. Ao
morrer por nossos pecados, Jesus removeu a barreira; levou o que devíamos ter
levado; realizou por nós o que estávamos impossibilitados de fazer por nós
mesmos; isso ele fez porque era a vontade do Pai. Essa é a essência da expiação
de Cristo. Considerando a suprema importância deste assunto será ele abordado
mais pormenorizadamente em um capítulo à parte.
2. Sua ressurreição.
(a)
O fato. A ressurreição de Cristo é o grande milagre
do Cristianismo. Uma vez que é estabelecida a realidade desse evento, torna-se
desnecessário procurar provar os demais milagres dos Evangelhos. Ademais, é o
milagre com o qual a fé cristã está em pé ou cai, isso em razão de ser o
Cristianismo uma religião histórica que baseia seus ensinos em eventos
definidos que ocorreram na Palestina há mais de mil e novecentos anos. Esses
eventos, são: o nascimento e o ministério de Jesus Cristo, culminando na sua
morte, sepultamento e ressurreição. Desses, a ressurreição é a pedra angular,
pois se Cristo não tivesse ressuscitado, então não seria o que ele próprio
afirmou ser; e sua morte não seria expiatória. Se Cristo não houvesse ressuscitado,
então os cristãos estariam sendo enganados durante séculos; os pregadores
estariam proclamando um erro; e os fiéis estariam sendo enganados por uma falsa
esperança de salvação. Mas, graças a Deus, que, em vez de ponto de
interrogação, podemos colocar o ponto de exclamação apos ter sido exposta essa
doutrina: "Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as
primícias dos que dormem!"
(b)
A evidência. "Vocês cristãos vivem na fragrância de
um túmulo vazio", disse um cético francês. É um fato que aqueles que foram
a embalsamar o corpo de Jesus, na memorável manhã da ressurreição, encontraram
seu túmulo vazio. Esse fato nunca foi nem pode ser explicado a não ser pela
ressurreição de Jesus! Quão facilmente os judeus poderiam ter refutado o testemunho
dos primeiros pregadores se tivessem exibido o corpo do nosso Senhor! Mas não o
fizeram — porque não o puderam fazer! Como vamos explicar a própria existência
e origem da igreja cristã, que certamente teria permanecido sepultada
juntamente com seu Senhor — se ele não tivesse ressuscitado? A igreja viva e
radiante do dia de Pentecoste não nasceu de um Dirigente morto! Que faremos com
o testemunho daqueles que viram a Jesus depois de sua ressurreição, muitos dos
quais o apalparam, falaram e comeram com ele, centenas dos quais, Paulo disse,
estavam vivos naqueles dias, muitos dos quais cujo testemunho inspirado se
encontra no Novo Testamento? Como receberemos o testemunho de homens demasiado
honestos e sinceros para pregarem uma mensagem propositadamente falsa, homens
que tudo sacrificaram por essa mensagem? Como explicaremos a conversão de Saulo
de Tarso, o perseguidor do Cristianismo, em um de seus maiores apóstolos e
missionários, a não ser pelo fato de ele realmente ter visto a Jesus no caminho
de Damasco? Há somente uma resposta satisfatória a essas perguntas: Cristo
ressuscitou! Muitas tentativas já foram feitas para superar esse fato. Os
chefes dos judeus asseveraram que os discípulos de Jesus haviam roubado o seu
corpo. Mas isso não explica como um pequeno grupo de tímidos e desanimados
discípulos pôde reunir suficiente coragem para arrebatar dos endurecidos
soldados romanos o corpo de seu Mestre, cuja morte lhes significava o fracasso
completo das suas esperanças! Os eruditos modernos também apresentam estas
explicações:
1)
"Os discípulos simplesmente experimentaram uma visão." Então
perguntamos: como podiam centenas de pessoas ter a mesma visão e imaginar, a um
só tempo, que realmente viam a Cristo?
2)
"Jesus realmente não morreu; ele simplesmente desmaiou e ainda estava vivo
quando o tiraram da cruz." A isso respondemos: então um Jesus pálido e
exausto, decaído e abatido, podia persuadir os discípulos cheios de dúvidas, e
sobretudo a um Tomé, de que ele era o ressuscitado Senhor da vida? não é
possível! Essas explicações são tão inconsistentes que por si mesmas se
refutam. Novamente afirmamos, Cristo ressuscitou! DeWette, teólogo modernista,
afirmou que "a ressurreição de Jesus Cristo é um fato tão bem comprovado
quanto o fato histórico do assassinato de Júlio César".
(c)
O significado. A ressurreição. Ela significa que Jesus é
tudo quanto ele afirmou ser: Filho de Deus, Salvador, e Senhor (Rom. 1:4). A
resposta do mundo às reivindicações de Jesus foi a cruz; a resposta de Deus,
entretanto, foi a ressurreição. A ressurreição significa que a morte expiatória
de Cristo foi uma divina realidade, e que o homem pode encontrar o perdão dos
seus pecados, e assim ter paz com Deus (Rom. 4:25). A ressurreição é realmente
a consumação da morte expiatória de Cristo. Como sabemos pois que não foi uma
morte comum — e que realmente ela tira o pecado? Porque ele ressuscitou! A
ressurreição significa que temos um Sumo Sacerdote no céu, que se compadece de
nós, que viveu a nossa vida e conhece as nossas tristezas e fraquezas; que é
poderoso para dar-nos poder para diariamente vivermos a vida de Cristo. Jesus
que morreu por nós, agora vive por nós. (Rom. 8:34; Heb. 7:25.) Significa que
podemos saber que há uma vida vindoura. Uma objeção comum a essa verdade é:
"Mas ninguém jamais voltou para falar-nos do outro mundo." Mas alguém
voltou — esse alguém é Jesus Cristo! "Se um homem morrer, tornará a
viver?" A essa pergunta antiga a ciência somente pode dizer: "não
sei." A filosofia apenas diz: "Deve haver uma vida futura."
Porém, o Cristianismo afirma: "Porque ele vive, nós também viveremos;
porque ele ressuscitou dos mortos, também todos ressuscitaremos"! A
ressurreição de Cristo não somente constitui a prova da imortalidade, mas
também a certeza da imortalidade pessoal, (1 Tes. 4:14; 2 Cor. 4:14; João
14:19.) Isto significa que há certeza de juízo futuro. Como disse o inspirado
apóstolo, Deus "tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o
mundo, por meio do varão que destinou; e disso deu certeza a todos,
ressuscitando-o dos mortos" (Atos 17:31). Tão certo como Jesus ressuscitou
dos mortos para ser o Juiz dos homens, assim ressuscitarão também da morte os
homens para serem julgados por ele.
3. Sua ascensão.
Os evangelhos, o livro dos Atos e as
Epístolas dão testemunho da ascensão. Qual o significado desse fato histórico?
Quais as doutrinas que nele se baseiam? Quais seus valores práticos? A ascensão
ensina que nosso Mestre é:
(a) O Cristo celestial.
Jesus deixou o mundo porque havia chegado o tempo de regressar ao Pai. Sua
partida foi uma "subida", assim como sua entrada ao mundo havia sido
uma "descida". Ele que desceu agora subiu para onde estava antes. E
assim como sua entrada no mundo foi sobrenatural, assim o foi sua partida.
Consideremos a maneira de sua partida. Suas aparições e desaparições depois da
ressurreição foram instantâneas; a ascensão foi, no entanto, gradual —
"vendo-o eles" (Atos 1:9). Não foi seguida por novas aparições, nas
quais o Senhor surgiu entre eles em pessoa para comer e beber com eles; as
aparições dessa classe terminaram com a sua ascensão. Sua retirada da vida
terrena que vivem os homens aquém da sepultura foi de uma vez por todas.
Dessa hora em diante os discípulos não
deveriam pensar nele como o "Cristo segundo a carne", isto é, como
vivendo uma vida terrena, e sim, como o Cristo glorificado, vivendo uma vida
celestial na presença de Deus e tendo contato com eles por meio do Espírito
Santo. Antes da ascensão, o Mestre aparecia, desaparecia e reaparecia de tempos
em tempos para fazer com que paulatinamente os discípulos perdessem a
necessidade de um contato visual e terreno com ele, e acostumá-los a uma
comunhão espiritual e invisível com ele. Desse modo, a ascensão vem a ser a linha
divisória entre dois períodos da vida de Cristo: Do nascimento até à
ressurreição, ele é o Cristo da história humana, aquele que viveu uma vida
humana perfeita sob condições terrenas. Desde a ascensão, ele é o Cristo da
experiência espiritual, que vive no céu e tem contato com os homens por meio do
Espírito Santo.
(b) O Cristo exaltado.
Afirma certa passagem que Cristo "subiu", e outra diz que foi
"levado acima". A primeira representa a Cristo como entrando na
presença do Pai por sua própria vontade e direito; a segunda acentua a ação do
Pai pela qual ele foi exaltado em recompensa por sua obediência até a morte.
Sua lenta ascensão ante os olhares dos discípulos trouxe-lhes a compreensão de
que Jesus estava deixando sua vida terrena, e os fez testemunhas oculares de
sua partida. Mas uma vez fora do alcance de sua vista, a jornada foi consumada
por um ato de vontade. O Dr. Swete assim comenta o fato: Nesse momento toda a
glória de Deus brilhou em seu derredor, e ele estava no céu. Não lhe era a cena
inteiramente nova; na profundidade do seu conhecimento divino, o Filho do homem
guardava lembranças das glórias que, em sua vida anterior à encarnação, gozava
com o Pai "antes que o mundo existisse" (João 17:5). Porém, a alma
humana de Cristo até o momento da ascensão, não experimentara a plena visão de
Deus que transbordou sobre ele ao ser levado acima. Esse foi o alvo de sua vida
humana, o gozo que lhe estava proposto (Heb. 12:2), que foi alcançado no
momento da ascensão. Foi em vista de sua ascensão e exaltação que Cristo
declarou: é-me dado todo o poder (autoridade) no céu e na terra" (Mat.
28:18; vide Efés. 1:20-23; 1 Ped. 3:22; Fil. 2:9-11; Apoc. 5:12). Citemos outra
vez o Dr. Swete: Nada se faz nesse grandioso mundo desconhecido, que chamamos o
céu, sem sua iniciativa, direção e autoridade determinativa. Processos
incompreensíveis à nossa mente realizam-se no outro lado do véu por meios
divinos igualmente incompreensíveis. Basta que a igreja compreenda que tudo que
se opera ali é feito pela autoridade de seu Senhor.
(c) O Cristo soberano.
Cristo ascendeu a um lugar de autoridade sobre todas as criaturas. Ele é a
"cabeça de todo o varão" (1Cor. 11:3), a "cabeça de todo o
principado e potestade" (Col. 2:10); todas as autoridades do mundo
invisível, tanto como as do mundo dos homens, estão sob seu domínio, (1 Ped.
3:22; Rom. 14:9; Fil. 2:10, 11.) Ele possui essa soberania universal para ser
exercida para o bem da igreja, a qual é seu corpo; Deus "sujeitou todas as
coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da
Igreja." Em um sentido muito especial, portanto, Cristo é a Cabeça da
igreja. Essa autoridade se manifesta de duas maneiras:
1)
Pela autoridade exercida por ele sobre os membros da igreja. Paulo usou a
relação matrimonial como ilustração da relação entre Cristo e a igreja (Efés.
5:22-23). Como a igreja vive em sujeição a Cristo, assim as mulheres devem
estar sujeitas a seus maridos; como Cristo amou a igreja e a si mesmo se
entregou por ela, assim os maridos devem exercer sua autoridade no espírito de
amor e auto-sacrifício. A obediência da igreja a Cristo é uma submissão
voluntária; da mesma maneira a esposa deve ser obediente, não só por questão de
consciência mas por amor e reverência. Para os cristãos, o estado de matrimonio
se tomou um '"mistério" (isto é, uma verdade com significado
espiritual), porque revela a união espiritual entre Cristo e sua igreja;
"autoridade da parte de Cristo, subordinação da parte da igreja, amor de
ambos os lados — o amor retribuindo amor, para ser coroado pela plenitude do
gozo, quando essa união for consumada na vinda do Senhor" (Swete). Uma
característica proeminente da igreja primitiva era a atitude de amorosa
submissão a Cristo. "Jesus é Senhor" não era somente a declaração do
credo mas também a regra de vida.
2) O
Cristo glorificado não é somente o Poder que dirige e governa a igreja, mas
também a fonte de sua vida e poder. O que a videira é para a vara, o que a
cabeça é para o corpo, assim é o Cristo vivo para a sua igreja. Apesar de estar
no céu, a Cabeça da igreja, Cristo está na mais íntima união com seu corpo na
terra, sendo o Espírito Santo o vínculo. (Efés. 4:15, 16; Col. 2:19.)
d) O
Cristo que prepara o caminho. A separação entre Cristo e sua igreja na terra,
separação ocasionada pela ascensão, não é permanente. Ele subiu como um
precursor a preparar o caminho para aqueles que o seguem. Sua promessa foi:
"Onde eu estiver, ali estará também o meu servo" (João 12:26). O
termo "precursor" é primeiramente aplicado a João Batista como aquele
que prepararia o caminho de Cristo (Luc. 1:76). Como João preparou o caminho
para Cristo, assim também o Cristo glorificado prepara o caminho para a igreja.
Esta esperança é comparada a uma "âncora da alma segura e firme, e que
penetra até ao interior do véu; onde Jesus, nosso precursor, entrou por
nós" (Heb. 6:19,20). Ainda que agitada pelas ondas das provações e das
adversidades, a alma do crente fiel não pode naufragar enquanto sua esperança
estiver firmemente segura nas realidades celestiais. Em sentido espiritual, a
igreja já está seguindo o Cristo glorificado; e tem-se "assentado nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus" (Efés. 2:6). Por meio do Espírito
Santo, os crentes, espiritualmente, no coração, já seguem a seu Senhor
ressuscitado. Entretanto, haverá uma ascensão literal correspondente à ascensão
de Cristo, (1 Tess. 4:17; l Cor. 15:52.) Essa esperança dos crentes não é uma
ilusão, porque eles já sentem o poder de atração do Cristo glorificado (1Ped.
1:8). Com essa esperança, Jesus confortou os seus discípulos antes de sua
partida (João 14:1-3). "Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas
palavras" (1 Tess. 4:18).
e) O
Cristo intercessor. Em virtude de ter assumido a nossa natureza e ter morrido
por nossos pecados, Jesus é o Mediador entre Deus e os homens (1 Tim. 2:5). Mas
o Mediador é também um Intercessor, e a intercessão é mais do que mediação. Um
mediador pode ajuntar as duas partes e depois deixá-las a si mesmas para que
resolvam suas dificuldades; porém, um intercessor diz alguma coisa a favor da
pessoa pela qual se interessa. A intercessão é um ministério importante do
Cristo glorificado (Rom. 8:34). A intercessão forma o apogeu das suas
atividades salvadoras. Ele morreu por nós; ressuscitou por nós; ascendeu por
nós; e intercede por nós (Rom. 8:34). Nossa esperança não está em um Cristo
morto, mas em um Cristo que vive; e não somente em Um que vive, mas em um
Cristo que vive e reina com Deus. O sacerdócio de Cristo é eterno; portanto,
sua intercessão é permanente. "Portanto, ele pode levar a um desfecho
feliz ("perfeitamente", Hebreus 7:25) toda a causa cuja defesa ele
pleiteia assegurando assim àqueles que se chegam a Deus, por sua mediação, a
completa restauração ao favor e à bênção divinos. Realmente, o propósito de sua
vida no céu é precisamente esse; ele vive sempre com esse intento de interceder
diante de Deus a favor dos seus.
Enquanto Deus existir, não pode haver
interrupção de sua obra intercessora... porque a intercessão do Cristo
glorificado não é uma oração apenas, mas uma vida. O Novo Testamento não o
apresenta como um suplicante constantemente presente perante o Pai, de braços
estendidos e em forte pranto e lágrimas, rogando por nossa causa diante de Deus
como se fora um Deus relutante, mas o apresenta como um Sacerdote-Rei entronizado,
pedindo o que deseja de um Pai que sempre o ouve e concede Sua petição"
(Swete). Quais as principais petições de Cristo em seu ministério intercessor?
A oração do capítulo 17 de João sugere a resposta. Semelhante ao oficio de
mediador é o de advogado (no grego, "parácleto"). (1João 2:1.)
Advogado ou parácleto é aquele que é chamado a ajudar uma pessoa angustiada ou
necessitada, para confortá-la ou dar-lhe conselho e proteção. Essa foi a
relação do Senhor para com seus discípulos durante os dias de sua carne. Mas o
Cristo glorificado também está interessado no problema do pecado. Como
Mediador, ele obtém acesso para nós na presença de Deus; como Intercessor, ele
leva nossas petições perante Deus; como Advogado, ele enfrenta as acusações
feitas contra nós pelo "acusador dos irmãos", na questão do pecado.
Para os verdadeiros cristãos uma vida habitual de pecado não é admissível (1
João 3:6); porém, isolados atos de pecado podem acontecer aos melhores
cristãos, e tais ocasiões requerem a advocacia de Cristo. Em l João 2:1, 2
estão expostas três considerações que dão força a sua advocacia: primeira, ele
está "com o Pai", na presença de Deus; segunda, ele é "o
Justo", e como tal, pode ser uma expiação por outrem; terceira, ele é
"a propiciação pelos nossos pecados", isto é, um sacrifício que
assegura o favor de Deus por efetuar expiação pelo pecado.
f) O
Cristo onipresente. (João 14:12.) Enquanto estava na terra, Cristo
necessariamente limitava-se a estar em um lugar de cada vez, e não podia estar
em contato com todos os seus discípulos ao mesmo tempo. Mas ao ascender ao
lugar de onde procedera a força motriz do universo, foi-lhe possível enviar seu
poder e sua personalidade divina em todo tempo, a todo lugar e a todos os seus
discípulos. A ascensão ao trono de Deus deu-lhe não somente onipotência (Mat.
28:18) mas também onipresença, cumprindo-se assim a promessa: "Porque onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ai estou eu no meio deles"
(Mat. 18:20).
g)
Conclusão: Valores da ascensão. Quais os valores práticos da doutrina da
ascensão?
1) O conhecimento
interno do Cristo glorificado, a quem brevemente esperamos ver, é um incentivo
à santidade. (Col. 3:1-4.) O olhar para cima vencerá a atração das coisas do
mundo.
2) O conhecimento da
ascensão proporciona um conceito correto da igreja. A crença em um Cristo
meramente humano levaria o povo a considerar a igreja como uma sociedade
meramente humana, útil, sim, para propósitos filantrópicos e morais, porém
destituída de poder e autoridade sobrenaturais. Por outro lado, um conhecimento
do Cristo glorificado resultará no reconhecimento da igreja como um organismo,
um organismo sobrenatural, cuja vida divina emana da Cabeça — Cristo
ressuscitado.
3) O conhecimento
interno do Cristo glorificado produzir uma atitude correta para com o mundo e
as coisas do mundo. "Mas a nossa cidade (literalmente,
"cidadania") está nos céus donde também esperamos o Salvador, o
Senhor Jesus Cristo" (Fil. 3:20).
4) A fé no Cristo
glorificado inspirará um profundo sentimento de responsabilidade pessoal. A
crença no Cristo glorificado leva consigo o conhecimento de que naquele dia
teremos que prestar contas a ele mesmo. (Rom. 14:7-9; 2 Cor. 5:9,10.) O sentido
de responsabilidade a um Mestre no céu atua como um freio contra o pecado e
serve de incentivo para a retidão. (Efés. 6:9.)
5) Junto à fé no Cristo
glorificado temos a bendita e alegre esperança de seu regresso. "E se eu
for, e vos preparar lugar, virei outra vez" (João 14:3).
Fonte: Conhecendo
as Doutrinas da Bíblia - Myer Pearlman - Editora Vida, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário